terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ex tra s

Amanhecera. Olhos ainda fixos pregados na face direcionados a único ponto permitiam entender aquele ar de cansaço profundo, de lentidão, a atestar a insone experiência, a extenuante condição da espera, da tibieza de quem se reservara para depois de tantas horas verificar se suficientes já as forças para realizar o comezinho abrir de uma carta, carta que chegara ao curso da tarde, como de costume lhe era entregue a correspondência pelo porteiro do edifício. Saído àquela hora do banho, permanecia desnudo, imóvel, a pensar confusamente sobre as chances do seu conteúdo. Estava quente o dia. Espremido de ansiedade, quedava manietado a vislumbrar o objeto recoberto por aquela camada tão rançosa de pensares turvos, mornos. Ouve então no apartamento vizinho som que chama sua atenção, de um noticiário local de televisão. Preocupa-se, pois algo tem que ser feito; daqui a pouco as pessoas vão chegar. O telefone fora desligado, mas sem dúvida alguém viria em seu encalço, seria procurado. O que teria acontecido com ele? Sorriu sem graça alguma e levantou-se. De pé, pôs-se a caminhar em direção à mesa. Tomou a carta em suas mãos, conferiu o endereçamento. Nada no envelope dava a menor notícia de quem lha remetera... Merda! Caminho sem volta; tudo estaria estampado ali, grafado com o ódio que temia consentir merecia receber do missivista. Mulher maldita! Que faria dele? Que faria ele de si. Fim de seu inferno: rasga o envelope num golpe só e, escancarado de coragem o peito, deita o olhar sequioso sobre a folha dobrada e sua face brilha e ele gargalha enlouquecido e bate-se contra a parede com aquele papel agarrado em suas mãos, trazido ao coração, à boca... Senta-se. Nada diz. Parece catatônico agora. A folha amarfanhada cai sobre a forração do assoalho. Em branco!!!

Nenhum comentário: